24 de julho de 2009

Crônica: Do Amor, por Gustavo Nogy

Boa noite!
A partir de hoje, o "Boteco em Paris" contará com eventuais crônicas de Gustavo Nogy sobre temas aleatórios.
Sente-se, peça uma bebida e boa leitura.

Do Amor
por Gustavo Nogy

O problema do mundo não é a falta de amor. Definitivamente: não é a falta de amor. O problema do mundo, e imaginemos que exista assim o grande problema do mundo (e isso é um outro problema que não vem ao caso), é justamente o seguinte: é amor demais. Eu estive pensando atentamente, socraticamente (porque só penso socraticamente, creia-me), e percebi que o grande problema é esse: amor demais. As pessoas se amam demais. Deus, como elas dizem isso. Deus, como elas se amam. É de enojar. Eu tenho nojo. Tenho nojo dele. Sim: dele. Do amor.

É tanto amor que as pessoas mal têm tempo de pensar noutra coisa mais produtiva. Os garotos não aprendem música por que gostam de música: aprendem-na, quando chegam a tanto, porque querem conquistar aquela(s) garota(s). E as garotas vão aos shows por causa dos. E depois disso, as garotas e os garotos (e as garotas e as garotas, e os com os também, sejamos tolerantes) atracam-se apressadamente, arrumam-se qualidades nobilíssimas uns para os outros que sabem que não têm. Mas elas, eles, todos: precisam disso. Do bendito. Do maldito amor.

Porque as pessoas se casam, com o desespero nos olhos, por amor. E por amor são as mesmas que pedem o divórcio anos, meses, semanas depois – alegando amor. Por outro. Ou pela mesma pessoa com que se casaram e não foram felizes e, precisamente por isso, por amor, não se vêem no direito de fazer a pobrezinha... infeliz. Também por amor as pessoas têm filhos e por amor as pessoas abortam seus filhos: não se pode, num mundo como esse, deixar crescer mais uma criança indefesa. É verdadeiramente comovente.

O mundo, eu tenho certeza, se lhe fizessem a pergunta, diria “Eu estou cansado do amor”. Há os que amam utopias. E há os que amam causas impossíveis. Os que amam a humanidade toda, todinha, cada um deles, cada pobre-diabo. Acredita nisso? Eu, evidentemente, não. E há o amor dos ambientalistas – meu Deus, dos ambientalistas! –, que, segundo dizem, amam o planeta com tudo o que há dentro, salvo os não-ambientalistas, que não são dignos de amor.

E o resultado, invariavelmente, é o mesmo: todos infelizes. Uns mais, uns menos que outros. Depois das promessas todas, depois das qualidades desmentidas, depois das mentiras, depois de tanto amor alegado, cobrado, esperado, espremido, percebe-se que as palavras, aos poucos, se perderam: sons esvaziados de sentido. “Eu te amo”, dizia ela, como quem dissesse “Chove”. E isso já não é mais uma declaração de amor. É apenas um caso gramatical.

Olha lá, eu acho, sinceramente, que o melhor mesmo é mudar de assunto. E pensar noutras coisas. Se um sujeito qualquer, dizendo-se carente de afetos, me viesse pedir conselhos, eu lho diria: Arrume um emprego. Estude Latim. Escreva cartas suicidas só por piada. Procure um outro continente qualquer. Não plante uma árvore. Queime seus livros de auto-ajuda. Mas se esqueça do amor. Deixe-o num canto. Não lhe dê muita importância, para que ele não assuma assim ares de grande coisa.

E quem sabe assim, quem sabe amando menos, falando menos, anunciando menos amor o desgraçado não aparece, de fato, discretamente verdadeiro e de banho tomado, descansado dos nossos amores, contradizendo então todas as probabilidades e desmentindo todos os sujeitos descrentes como eu?